quarta-feira, 24 de junho de 2009

Distante

Inclemente exílio
Que impõe essa vontade
Essa premente necessidade:

Nenhum outro povo tanto gosta
De gostar da sua terra
Que, de pronto, se desterra
Para, na distante tortura,
Chorar, beirando a loucura,
A saudade assim composta.

Boston, 2003

sexta-feira, 19 de junho de 2009

(sem título)

Algoz sou eu,
Sou límpido,
Serei ateu?
Sendo louco por te amar.

É Deus, teu ser,
O teu olhar.
Saboreio
A lânguida sinceridade

Do que sinto,
do que seja
O que beija
O som do teu longínquo troar.

(Boston, 2004)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O óbvio

Claro que conheci a destreza dos sonhos. Aprendi tanto, nesses largos vôos. No início era cair, admito-o. Ao saber, ter a certeza, atirava-me de cabeça, de plataforma elevada e coesa, e mergulhava para o fundo, sem temer nenhum mal. Nunca temi engano letal. Sabia-a, sentia-a, a certeza de saber que sonhava, na orgia do impossível, na observação rigorosa e crítica das dobras do irreal. E quando a janela batia, sozinha, eu corria antes que o onírico partisse, e me prendesse na realidade enfadonha. Nada me impedia então... saltava... libertando-me na atmosfera fingida, puxado por uma gravidade inexistente. Descia em longos e ínfimos temporais. Ao tocar o chão, nem sempre surpreso, por vezes, levantava-me, intocado por leis da física racional; noutras almas, em fugazes, e agora irrepetíveis, coroas de infância distante, sonhos meninos, mergulhava em diferente dimensional, todo branco, luz homogénea e fria, pejado de doces alegorias em formas geométricas (cubos, cilindros, cones) multicolores e miméticos de um mar sem luz nem sal.

(Caparica, 2005)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A linha

Serei linha da margem calma
Ondulando seguro e doce,
Em viagem ao horizonte
Que me promete o augúrio,
Longo e sonho, de ser eu só:
Unido ao que transparece
Do reflexivo diamante...
Luminoso, suave e liso,
...sem mácula, sem grão pó.

(Oeiras, 2009)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Lago mudo e negro

Lago mudo e negro,
Quanta comiseração emana
Da tua pupila de ébano...
Seixo, frio, na minha mão
Ordem corrompida, semi-caos temporário
(Ao tocar a curva superfície da perfeita água, a ordem local é subvertida por espasmos de formas, espumas cinéticas, estranhas danças caóticas de universos de moléculas... por escassos segundos apenas; logo, ainda antes da seguinte revolução, o tecido universal ordena círculos concêntricos, perfeitos, que se expandem à velocidade do belo)
Beleza geométrica, maravilhosa dor eterna...

(Escócia, 2003)